A Corrupção Virtual E O Abuso do Sarcasmo

livro0801

TRÁFEGO É DINHEIRO

(Páginas 38-41)
Blogs ganham dinheiro com a venda de anúncios. Estes são pagos por visualização (geralmente um valor por mil impressões). Um site pode ter diversas unidades de anúncio em cada página; a renda do site é igual ao CPM (custo por milhar) multiplicado pelo número de visualizações de página: (anúncio x tráfego) = receita.
Alguns poucos blogs geram parte de sua receita com negócios extras – organizando conferências ou com comissões por vendas, mas, em sua maioria, este é o negócio: tráfego é dinheiro.
Sites e anunciantes não diferenciam os tipos de visualização que um anúncio recebe no site: um leitor fazendo uma pesquisa não é melhor que o leitor acidental; um artigo que fornece conselhos valiosos não tem mais valor que uma matéria rapidamente esquecida.
Desde que a página seja carregada e os anúncios sejam exibidos, os dois lados estão atingindo seu objetivo: um clique é um clique.
Sabendo disso, os blogs fazem qualquer coisa para aumentar sua variável nessa equação (tráfego e visualizações).
É assim que você deve entendê-los no seu modelo de negócio e toda decisão que um editor toma é regida por uma regra: tráfego a qualquer custo!

FUROS SÃO TRÁFEGO

Notícias exclusivas fazem os blogs crescer… a coisa é que são raras e, no mínimo, exigem algum esforço para serem obtidas. Por isso, blogs gananciosos aperfeiçoaram o que se chama de “pseudoexclusiva”: em um comunicado a seus empregados, Nick Denton, fundador e editor do império de blogs Gawker Media, pediu a seus redatores que usassem essa técnica, porque lhes permite “assumir a propriedade de uma história mesmo que não seja estritamente exclusiva”.
Em outras palavras, que eles finjam ter um furo.
A estratégia funciona bem, porque muitos leitores só verão a história em um lugar; ele não tem ideia de que aquela matéria se originou em outro local.
Um dos maiores furos do Gawker, logo no início da corrida, foi uma coleção de vídeos de cientologia com Tom Cruise.
Esse é um bom exemplo de uma pseudoexclusiva, já que o trabalho não foi feito pelo site que acabou recebendo todas as visualizações pela matéria: como eu testemunhei, dos bastidores, o desenrolar dessa história, sei que os vídeos foram descobertos, na verdade, por Mark Ebner, jornalista de Hollywood, de cujo blog eu era conselheiro à época.
Ebner me telefonou, muito animado com a notícia de um furo potencialmente enorme, e disse que me levaria o material. Algumas horas depois, ele me entregou os DVDs dentro de um envelope carimbado “confidencial”. Eu assisti aos vídeos mais tarde, naquela noite, acompanhado de um amigo. Nossa reação estúpida: “Tom Cruise bancando o maluco; qual a novidade?”
O Gawker teve uma reação bem diferente. Acontece que Ebner também mostrara os vídeos para seus amigos no Gawker, que imediatamente publicou uma história mostrando esse material, antes que Ebner ou qualquer outro tivesse a chance de fazê-lo. Não sei se o Gawker prometeu a Ebner que lhe daria crédito. Tudo o que sei é que o que aconteceu foi uma sujeira: a publicação da matéria teve 3,2 milhões de visualizações e levou todo um novo público para o site. Mark Ebner não recebeu nada, porque o Gawker não deu o link para seu site – o que teria sido a coisa certa a fazer.
Ao fazer isso, o Gawker tomou posse de uma história que não era dele. Só aí comecei a entender como os sites fazem dinheiro: nas costas dos outros.
Quando uma história é tudo o que se precisa para levar um blog da periferia da internet para a notoriedade, não é de surpreender que os sites façam qualquer coisa para conseguir seu artigo exclusivo, mesmo que isso signifique fabricar ou roubar furos (e enganar leitores e anunciantes nesse processo).

DANDO AOS DESGRAÇADOS O QUE ELES QUEREM

(Páginas 71-72)
Quando crio anúncios online para a American Apparel, eu quase sempre procuro um ponto de vista provocativo: ultraje, hipocrisia e sexo funcionam igualmente bem.
Naturalmente, os anúncios sensuais são os mais lembrados, mas a fórmula tem funcionado para todos os tipos de imagem: fotos de crianças vestidas como adultos, cachorros usando roupas, anúncios que não fazem sentido – todas imagens estimulantes e virais. Fico satisfeito quando consigo transformar o anúncio de algo que tenho de pagar para as pessoas verem (comprando espaços de publicidade) em algo que as pessoas publicam alegremente na primeira página dos seus sites de alto tráfego.
Uma vez fiz uma série de anúncios com a atriz pornô Sasha Grey completamente nua (nada adequado para ver no trabalho) em dois blogs. Os sites eram muito pequenos e o custo total dos anúncios foi de apenas 1.200 dólares.
Uma mulher nua com pelos pubianos à vista + um grande varejista americano + blogs = uma grande história online.
Os anúncios foram reproduzidos online por Nerve, BuzzFeed, Fast Company, Jezebel, Refinery29, NBC New York, Flesbot, Portland Mercury e muitos outros. Depois eles foram parar na mídia impressa, chegando até à Rolling Stone Brasil, e continuam viajando online.
A ideia nunca foi vender produtos diretamente pelos anúncios, já que a modelo não estava usando nada. E, de qualquer forma, os sites que exibiram os anúncios eram muito pequenos. Eu sabia que a ideia de uma empresa fazer anúncios pornográficos em blogs legítimos seria por demais excitante (sem trocadilhos) para que sites e leitores famintos por compartilhar novidades pudessem resistir. Não tenho certeza se fui a primeira pessoa a fazer isso, mas com certeza foi o que eu disse à imprensa.
Alguns blogs falaram disso com raiva, outros ficaram enojados, e outros ainda adoraram e queriam mais: a parte importante foi o que eles escreveram a respeito. Os anúncios acabaram sendo vistos milhões de vezes e quase nenhuma dessas visualizações foi nos sites em que pagamos para que os anúncios aparecessem.
Eu não estava tentando criar controvérsia pela controvérsia.
A divulgação conseguida por esse espetáculo gerou dezenas de milhares de dólares em vendas – o que era minha intenção desde o início.
Eu tinha dados substanciais que sustentavam o fato de que o burburinho em torno de um produto causava um pico de vendas dele. Armado dessa informação, criei uma estratégia de produzir burburinho explorando emoções altamente estimulantes: excitação sexual e indignação.
Eu produziria anúncios que iriam violar diretamente os padrões de qualidade dos sites e das redes de anúncios. Embora soubesse que os anúncios seriam inevitavelmente derrubados, eles gerariam grande reconhecimento de marca nos poucos minutos em que fossem vistos pelos usuários. Um puxão de orelha ou irritar os puritanos eram riscos que valia a pena correr, por todo o dinheiro e atenção que recebemos.
No caso da American Apparel, essa estratégia de marketing de impacto que desenvolvi foi responsável por elevar as vendas online de 40 milhões de dólares para quase 60 milhões em três anos – com um orçamento de publicidade minúsculo.

SARCASMO É OCO E VAZIO

(Páginas 208-209)
Não é de surpreender que muitos blogueiros defendam o sarcasmo.
De acordo com Adam Sternbergh, da revista New York, a crítica que se faz ao sarcasmo está errada, porque ele é bom:
“Quando ninguém – de políticos a pensadores – diz o que realmente está pensando” – escreveu ele – “a ironia torna-se uma autovacina lógica. Da mesma forma, sarcasmo, filho da ironia, floresce em uma era de duplo discurso e idiotice que não costuma ser desafiada. Sarcasmo não é um grasnido de distanciamento blasé; é um clarim anunciando o ultraje frustrado.”
Chamar de generosa essa interpretação de que “sarcasmo é bom” seria um eufemismo: é claro que os sarcásticos estão insatisfeitos e desiludidos – quem não está?
O erro é supor que os blogs estão pedindo mudanças ou propondo uma solução. Não existe um “clarim anunciando o ultraje frustrado”; é só uma gritaria para conseguir cliques e aumentar sua influência. É um jeito barato de escrever sem pensar e ainda assim parecer inteligente. É ridícula a argumentação de que a razão pela qual os blogueiros debocham de tudo é porque esperam que isso vá mudar a situação.
Sarcasmo é intrinsecamente destrutivo. Ele quebra as coisas, não as constrói.
Nenhum político jamais respondeu a uma piada sobre suas posições inconsistentes ou sua demagogia – e claro que também nunca respondeu sobre seu peso ou calvície progressiva – dizendo: “Sabem de uma coisa? Vocês têm razão! Vou ser diferente a partir de agora!”
Se o sarcasmo diz respeito realmente a mudança, então os blogueiros precisariam realmente acreditar no que estão dizendo por baixo do humor. Eles não mudariam de um dia para o outro – nós poderíamos esperar consistência em suas críticas, como acontece com humoristas brilhantes do quilate de John Stewart. Mas não.
Um exemplo da minha experiência pessoal: após anos brincando que Dov Charney era um estuprador, homem de negócios fracassado, idiota, monstro, manipulador de ações e milhões de outras coisas, o Gawker, apesar de tudo, convidou Dov e a American Apparel para a cerimônia de entrega dos Fleshbot Awards, em que ele seria premiado como “Anunciante Mais Sexy”.
Tucker Max, que o Gawker tinha acusado de coisas igualmente difamatórias, também foi convidado.
Por que eles convidariam e premiariam pessoas que tanto escarnecem?
Penso que, em parte, é porque o Gawker acredita que estamos todos tão viciados em “alimentar o monstro” que aguentaremos qualquer afronta só para conseguir um pouco mais de atenção.
Tucker disse-lhes que podiam se danar, o que me deixou orgulhoso.
Eu fui à cerimônia para receber o prêmio em nome de Dov (apenas para conhecer o inimigo). Fiquei chocado quando descobri como são inteligentes e amistosos pessoalmente os blogueiros que escreveram aquelas coisas horríveis.
Então entendi: eles não acreditavam naquilo que escreveram! Era tudo um jogo!
Se Dov não fosse um alvo tão conveniente, eles teriam dito as mesmas coisas sobre outra pessoa…
O Gawker até me enviou um e-mail depois, perguntando se nós gostaríamos de patrocinar a cerimônia do ano seguinte, como se dissesse: “Nós podemos perseguir outra pessoa se você quiser ser nosso amigo”.

DE QUE ADIANTA?

O argumento desmorona de qualquer jeito, mesmo que não seja hipócrita. A reação adequada à falsidade não é jogar pedras nas janelas do palácio, mas coerente e incessantemente articular os problemas com as instituições dominantes. Defender uma coisa e não, simplesmente, ir contra outras.
Mas os blogueiros desta geração, a minha geração, não são esse tipo de gente. Eles não são líderes. Falta-lhes a força e a energia para fazer alguma coisa a respeito da “era do duplo discurso e da estupidez”. Tudo que resta é o escárnio.
O sarcasmo oferece um canal para a frustração deles. Em vez de direcionar sua energia para fins produtivos, o sarcasmo a dissipa lançando-se contra qualquer coisa poderosa ou bem-sucedida. Se você é grande o bastante para absorver os golpes, pensam eles, você os merece.
Para os excluídos sem acesso, sarcasmo é o único refúgio… e blogueiros escolhem ser excluídos: eles só podem debochar, escarnecer, mentir e perturbar. Eles não podem servir a seus leitores, expor corrupção ou apoiar causas. Blogueiros são desafeiçoados e raivosos, e seu meio possibilita isso.
Um astuto jornalista universitário da Columbia University, que observou de perto a falsa coragem dos blogueiros e sua suposta valentia e seus valores sociais, comentou:
Sarcasmo não é a resposta das “massas” ao discurso duplo vazio dos políticos. É um mecanismo de defesa para jornalistas que, sem ter o que falar, morrem de medo de serem criticados ou escarnecidos. O texto sarcástico reflete um medo essencial – o medo de que riam de si. Jornalistas sarcásticos não querem ser debochados, então atacam primeiro debochando de todo mundo à vista.
Há uma razão para que o fraco seja atraído para o sarcasmo enquanto o forte é sincero. O sarcasmo faz o enunciador sentir uma força que ele sabe, lá no fundo, não possuir. O sarcasmo protege sua insegurança e faz o jornalista sentir que está no controle. Sarcasmo oferece a posição intelectual ideal. Ele pode criticar, mas não ser criticado.
Vamos relembrar Nikki Finke, que por qualquer ângulo que se observe é uma pessoa incrivelmente vaidosa e perpetuamente nervosa. Ela exige que os executivos dos estúdios de cinema lhe demonstrem o devido respeito (sob a ameaça implícita de matérias negativas), e já entrou na justiça com numerosos processos civis pelas ofensas mais triviais (contra o E*TRADE, em 7,5 milhões de dólares, por gravar uma ligação telefônica sem o aviso “esta chamada poderá ser gravada”, contra uma loja de automóveis pelos termos de sua garantia estendida; contra o Hollywood Reporter por supostamente roubar suas ideias para matérias; e, de acordo com sua rival e colega Sharon Waxman, contra um hotel por lhe causar intoxicação alimentar).
Ela raramente sai de casa e se abstém de praticamente todas as aparições em público. Ela faz questão de garantir que apenas uma foto sua – e muito antiga – esteja disponível online. Assim fica claro que Finke é uma pessoa profundamente insegura e muito infeliz.
(…)
Roger Ebert chama o sarcasmo de “vandalismo cultural”. Ele está certo.
O sarcasmo impossibilita a cultura, ou melhor, ele torna impossível as condições que possibilitam a cultura. seriedade, honestidade e vulnerabilidade: estes são os alvos do sarcasmo. “O sarcasmo funciona como um dispositivo para punir características humanas como espontaneidade, excentricidade, não conformismo e simples erro”, escreveu ele.
(…)
Se ideias polêmicas são vítimas de sarcasmo, quem se beneficia disso? Quem não se importa com o sarcasmo? Quem gosta disso?
A resposta é óbvia: pessoas que não têm nada a perder. Pessoas que precisam ser assunto dos outros, como celebridades de reality shows sedentas por atenção. (…)
Então, as pessoas que florescem sob o sarcasmo são exatamente aquelas que gostaríamos que desaparecessem, e as pessoas a que mais damos valor como colaboradores culturais se escondem nos fundos, esperando não serem notadas e magoadas. Tudo o que há entre esses extremos poderia até não existir.
O sarcasmo encoraja a falsidade e a estupidez que supostamente tenta denunciar.
Houve o tempo em que enxerguei o sarcasmo como uma oportunidade barata de promover histórias na mídia, mas já me queimei bastante com ele… já vi o suficiente o estrago que causa em suas vítimas e sei que não vale a pena.